quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Manuel Freire - "Poema da Malta das Naus"



Poema de António Gedeão.
Música de Manuel Freire.


POEMA DA MALTA DAS NAUS

Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.

Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo,
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.

Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.

Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.

Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.

Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.

Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.

Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.

O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.

3 comentários:

Rosa dos Ventos disse...

Uma belíssima junção!
Obrigada!

Abraço

Rogério G.V. Pereira disse...

Gedeão morreu com enorme descrença nas três ou quatro gerações que lhe sucedam...

Acho que tem razão, o meu velho Gedeão...

Pedro Coimbra disse...

Eu deixei lá um poema um bocadinho diferente, Rodrigo :)))
Aquele abraço e votos de bfds