quarta-feira, 5 de agosto de 2009

ASAE

Do melhor que tenho lido...Com a devida vénia ao autor e ao Jornal De Leiria


As tropelias da ASAE, os critérios da União
Europeia e a passividade das autarquias
Moisés Espírito Santo, professor catedrático de Sociologia

A ASAE, polícia criada pelo governo de Sócrates, foi declarada inconstitucional pelo Tribunal
da Relação de Lisboa. Vimos nas televisões as suas tropelias. Para fiscalizar os mercados
baratos e muito frequentados, convocava as televisões, e os seus agentes -
armados e encapuzados como salteadores - entravam de rompante, baldeavam tudo
e levavam. Fez mil malvadezes. Apreender todo o peixe duma faina, sob o pretexto de que as
canastas já foram utilizadas, é como esfregar um olho. Ataca sobretudo nos meios populares
e suburbanos. Por dá-cá-aquela-palha - a que ela chama “higiene” - já fechou centenas de
pequenas empresas, restaurantes, tabernas, queijarias (só empresas pequenas). Uma fabriqueta
de amêndoas precisa de mais uma sala; aos pastéis da praia falta um papel celofane; em
certas cozinhas a questão são uns azulejos; por cada bolo exige-se uma «ficha técnica». Queijos
serranos, doces e enchidos caseiros, vinho do pipo, sopa em tabernas ou pastelarias... tudo
fora da lei. Lembra os Vampiros de Zeca Afonso - para gáudio dos grandes produtores. Invoca
as leis da “Europa”?
Os responsáveis europeus até se demarcaram destes abusos, em favor da tolerância pelas
culturas. Declarada inconstitucional pela Relação de Lisboa, a ASAE recorreu para o Tribunal Constitucional.
Aqui pode ganhar. Este tribunal é constituído por juízes nomeados pelo Governo e pelos partidos
maiores. Que confiança merecem os juízes nomeados pelo Governo? As operações da ASAE -
inspiradas nos filmes de gangsteres - vão de par com a lei da União Europeia sobre a calibragem dos frutos e legumes.
Maçãs, pêras, ameixas, pepinos, nabos, cenouras e tutti quanti para serem comercializados, têm de ter certa
grossura (desde quando é que as qualidades nutrientes duma pêra dependem do seu diâmetro?). É evidente que
esta calibragem foi ditada pelos grandes produtores. Acabou de ser levantada «para 26 frutos e legumes (25% do
mercado)». Porquê só 26? E o que é que UE faz da concorrência? Quantos prejuízos não provocou essa burrice? E
quem indemniza os lesados? Milhares de agricultores portugueses deixaram de colher a azeitona porque se impuseram
«regras de higiene» que levaram ao fecho de pequenos lagares de azeite. Sem lagares de azeite nas redondezas,
não se colhe a azeitona. Fim do pequeno olival.
Eles dizem “higiene”? Passa muita arbitrariedade sob o coberto da higiene. Quer estas regras venham
da UE, da ASAE ou da puericultora da vila, a higiene é uma coisa relativa: num hospital é importante,
nos campos, na aldeia e nas cozinhas domésticas, nem por isso. Quantos portugueses morreram
por a azeitona ter sido moída assim ou assado? Há muita vontade de distinção classista
nestas modernas questões de higiene. Há poucos anos, um alto-comissário da Europa, alemão, foi a Espanha
para reformular os apoios à agricultura, e os anfitriões levaram-no a ver a apanha da azeitona. O alemão,
vendo as belas azeitonas reluzentes, apanhou uma da árvore e ia levá-la à boca quando a anfitriã,
Loyola de Palácios, lhe baixou a mão para lhe dizer que as azeitonas não se consomem assim. É um exemplo
de como os Comissários que decidem sobre frutos, legumes ou azeite, touros ou suínos, só conhecem
essas coisas por as comprarem no supermercado ou as terem visto em fotografia.
Qual câmara defendeu os seus artesãos, restauradores ou taberneiros dos terrores da
ASAE? Ou os cultivadores de maçã reineta ou camoeza, de pêra-amêndoa ou rabiça
e tutti frutti que chumbavam na calibragem? Uma Câmara devia encabeçar ou apoiar
os justos protextos e reinvindicações dos seus munícipes. Mas nada disso se vê. As
Câmaras só se têm importado por espalhar betão - para satisfazer os amigos das empresas de
construção. Elas põem alguns nostálgicos a falar de «património cultural», mas é só pelo folclore
que caducou. Na defesa da economia local e das pessoas, agricultores familiares, empresários
modestos, queijeiras ou boleiras sem “cunhas” (mas a quem pedem votos), desempregados,
vítimas das injustiças do Estado e dos critérios da UE, o balanço municipal pode ser
zero.

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